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“Vanitas vanitatum et omnia Vanitas” (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade) Eclesiastes por Luciene Felix Lamy

Queridos, este post era para ser publicado ontem no dia do professor para homenagear uma professora, educadora e filosófa incrível, a Luciene Felix Lamy, que por sorte é nossa colaboradora. Mas, como todo dia é dia de homenagear quem tem o dom de transmitir conhecimento aqui vai:
Parabéns querida Luciene!! É o maior orgulho pra mim ter seus textos e análises publicados no blog.

Para quem ainda não teve oportunidade, clique aqui pra ler o primeiro post que publicamos, o segundo clique aqui e para conhecer mais sobre a Lu e sobre o que ela escreve clique aqui.

Leiam vocês mesmos com seus próprios olhos e vejam porque vale a pena acompanhar cada texto dela.
Boa leitura e reflexão!
Aguardamos os comentários!

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São Jerônimo (que traduziu a bíblia do hebraico e aramaico para o grego e o latim) por Caravaggio (1605-6), Galleria Borghese, Roma.

O tempo muda, e com ele, emerge novos conceitos, que respaldados pelo “zeitgeist” vigente impõe-se como modismo. Alguns modismos, como os “Vanitas”, se tornam “clássicos”.

Em tempos d’outrora, distintivo (“chique”) mesmo era pendurar um enigmático “Vanitas” na parede da biblioteca (ocupada hoje pelo home-teather) e ter assim, assunto para se encetar uma boa prosa filosófica (vida, morte e tempo), enquanto se finalizava o agradável jantar saboreando um licor.

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Harmen Steenwijk – 1640

Mas, o que é um “Vanitas”? Um “Vanitas” (do latim, vacuidade, futilidade, algo vão, sem valor) é a representação dramática de um gênero singular de natureza morta surgida no norte da Europa e países baixos nos séculos XVI e XVII com forte conteúdo simbólico de cunho moralizante que busca chamar a atenção para o quão efêmera é a vida, fugidios seus prazeres, vãs suas glórias e para a irreversibilidade da condição que nos distingue do Criador: mortais.

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Pieter Gerritsz – 1630

Com o enaltecimento dos “Vanitas”, o gênero “natureza-morta” – o patinho feio da pintura –, tão apreciado pelos holandeses, foi alçado a patamar de honra. A morte era uma realidade muito próxima e os pregadores calvinistas eram fascinados pelos interditos do Livro de Eclesiastes, no Velho Testamento. Do ponto de vista filosófico, arrisco dizer que o gênero é “Existencialista”.

Uma obra dessa natureza, que é um imperativo chamado para reflexão sobre valores, expressava que a alma do detentor estava consciente da insignificância da vaidade humana. O paradoxo é que se pagava muito caro por tamanha insígnia de sapiência: ostentar um “Vanitas” era caríssimo, acessível somente às pessoas de posses.

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Hendrik Andriessen – 1650

Nesse tipo de obra, explicitando perecividade e finitude, observamos a presença de figuras que aludem e contrapõe: 1) vida terrestre espiritual e contemplativa e, 2) vida terrestre hedonista, luxuriosa e sensual.

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Pieter Claesz – 1625

São recorrentes, então, insígnias de poder (colunas clássicas, coroas, tiaras, mitras, medalhas, elmos, escudos, emblemas heráldicos, espadas e outros adereços que remetam à honra), símbolos de fortuna e riqueza (moedas de ouro ou prata, tecidos requintados, sedas, veludos, bordados e brocados, pedras preciosas, pérolas, conchas e outros objetos preciosos), referências aos prazeres libidinais e luxuriosos (espelhos, cartas de baralho, vinhos, instrumentos musicais tais como flautas e charamelas), alusões à perecividade (flores frescas ou já murchando, frutas suculentas ou apodrecidas, relógios, ampulhetas, bolhas de sabão, borboletas, fio de vela já se apagando), além dos emblemas de imortalidade (livro) e de finitude (o crânio humano), impondo o inexorável destino comum a todos nós, que é morrer.

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Adriaen van Utrecht – 1642

Condenador dos prazeres mundanos, pois erigido sob o solo do discurso de cunho religioso moralizante de apelativo fervor puritano, o melancólico “Vanitas” encontra respaldo na Bíblia judaico-cristã.

De lá para cá, muitas caveiras se passaram e o uso alegórico do crânio ganhou outros significados (que o diga o renomado estilista brasileiro, Alexandre Herchcovitch). E isso porque, a visão que temos da morte passa por “n” perspectivas: temor, respeito, angústia, perturbação, sarcasmo, cinismo, deboche e até provocação. Diante dela, difícil é ser indiferente. Independente disso, intensamente expressiva em suas representações, a morte paira a espreita, triunfa sobre as frivolidades mundanas, sejam quais forem e, alheia ao que pensemos que seja, é o que é.

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Edwaert Collier – 1693

Ao passar todo esse sermão através das pinceladas, um “Vanitas” pretende repreender a ignorância sobre os falsos valores, advertindo que: “(…) os seus vícios e horrores, as suas paixões desonestas, desvairadas de cegas, funestas, os seus apetites venais insaciáveis, as suas perigosas irracionalidades, as suas pulsões inconfessáveis (…)”, tem um fim. Esse é o drama.

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Philippe de Champaigne – 1671

Tela e pincéis em mãos, escolha os elementos, desenhe e pinte o SEU “Vanitas”, afinal, a obra é o que permanece.

Blog da Luciene:
http://lucienefelix.blogspot.com/

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