Entrevista para ler no final de semana – Renzo Piano

Escolhi para o post de hoje uma entrevista com  Renzo Piano.
As entrevistas da Tania Menai são como as obras arquitetônicas do mestre: de uma leveza singular.
Aproveitem!

O Mestre da Leveza

Tania Menai

O jovem italiano Renzo Piano viu seu pai torcer o nariz assim que anunciou sua opção pela arquitetura. Na época, aquela era uma profissão  “menor” comparada ao ofício de sua família: tradicionais construtores genoveses. Hoje, aos 73 anos, Piano é o mestre internacional da leveza e iluminação. Sua genialidade entrou para história na década de 70, quando ele, então com 33 anos e em parceria com Richard Rogers, assinou o Centre Georges Pompidou, que abriga o Museu Nacional de Arte Moderna de Paris. A estrutura, que parece estar do lado avesso, expondo os tubos de água, eletricidade e ar-condicionado, pintados de cores diferentes de acordo com cada função. A escada rolante é externa, com vista para a piazza central.

Desde então, Piano criou dezenas de museus, estádios, complexos culturais, além do aeroporto de Osaka e da Potsdamer Platz, a praça construída sobre o antigo muro de Berlim. Há doze anos Piano é embaixador da Unesco e em 1998 recebeu o Prêmio Pritzker, o ápice da arquitetura, das mãos do ex-presidente Bill Clinton. Entre seus atuais projetos, está o novo prédio do New York Times, em Manhattan. Com 52 andares, a torre foi inaugurada em 2008 na caótica região da Times Square. Com energia juvenil, Piano se divide entre Genova e Paris, onde ficam seus dois escritórios. Em Genova, ele construi sua própria casa, no litoral, mesclando o verde e o vidro. Em Paris ele vive na Place des Voges, numa casa do século XVII, vizinho à Maison Victor Hugo. Piano concedeu esta entrevista exclusiva do escritório parisiense, no belo bairro do Marais.

O senhor diz que “para os arquitetos, museus são as novas catedrais.”  Por quê?

Piano – Quando projetamos o Centre Georges Pompidou, ou Centre Beaubourg como eu ainda o chamo, em Paris, museus eram lugares bastante impopulares. Não que eles não fossem dignificados, mas eram frequentados por especialistas. Eu tinha 33 anos, gostava de arte desde a infância e achava que os museus eram distantes do grande público. O Centre Beaubourg não mudou a história; mas foi uma interpretação da mudança que estava acontecendo na época. Ele mistura diferentes disciplinas culturais, como as artes plásticas, a música e biblioteca pública. Foi uma forma de desmistificar o conceito de museu, de abrí-lo para as massas e criar curiosidade.

Foto Tania Menai

Como foi a reação do público?

Piano – Fomos apedrejados por muito tempo. Diziam que o Centre Beaubourg era um supermarché de l’art (um supermercado da arte). Chamavam-no de fábrica, de refinaria. Mas este era o começo de uma nova era. Depois disso, fiz diversos museus, como Menil Collection, a Fundação Beyeler, em Basel, estamos construindo o novo Museu Paul Klee, em Bern, o High Museum of Art, em Atlanta e ampliando o Instituto de Arte de Chicago. Museus passaram a ser lugares populares. Assim como as catedrais do passado, eles são lugares de rituais – não sob aspecto religioso, mas o da coletividade e convivência. Além da arte, os museus reúnem pessoas – estou muito feliz com isso. Por sinal, estamos encarando o problema oposto: o sucesso dos museus. Pode soar estranho, mas é verdade. Museus devem ser lugar onde apreciamos a arte – para isso, precisamos de serenidade, de calma, de silêncio e contemplação. Com tanta gente, fica impraticável ter alguma calma.

Hoje, o senhor teria feito o Centre Pompidou, ou Centre Beaubourg, da mesma maneira?

Piano – O que faz da arquitetura uma grande profissão é a dependência do contexto, da história, do momento. A arquitetura é fecundada pela sociabilidade. Hoje, ninguém é intimidado por um museu. Do ponto de vista histórico, nos últimos trinta anos, tudo mudou. Museus intimidavam as grandes massas, incluindo o público jovem. Resolvemos provocar, introduzir curiosidade, mais do que intimidação. Hoje, museus são bastante abertos, familiares. Por isso, eu o faria diferente – não sei o quão diferente. Na década de 70, éramos dois jovens irreverentes. Mas ainda hoje me sinto um garotinho. O que conta não é a idade, mas a experiência. A arquitetura é o espelho da realidade, além de ser uma utopia, elemento fundamental para a arquitetura. Esta utopia ainda está presente em todos os meus trabalhos: o sonho de mudar o mundo por meio das nossas realizações. O Beaubourg foi um prédio utópico, de certa forma.

O senhor disse, certa vez, que o público demora a digerir e aceitar novas arquiteturas…

Piano – Arquitetura faz parte dos nossos hábitos. Meu escritório fica aqui no Marais, uma parte bonita de Paris. Adoro este bairro, ando para casa todas as noites e admiro os prédios em volta. Mas quando observo as construções com mais cuidado, dou-me conta de que alguns dos prédios são feios, outros horríveis. Mas eles fazem parte da experiência – amamos prédios antigos. O tempo faz as coisas se tornarem bonitas. Quando um prédio é novo, mesmo que seja magnífico, ainda não foi incorporado aos nossos hábitos. Isso leva uns cinco ou dez anos. No começo, o Beaubourg foi odiado por muitas pessoas – é o típico caso do amor ou ódio. Hoje, ele faz parte de Paris. Dois anos atrás, quis fazer algumas mudanças no prédio. Mas o pessoal do Movimento Histórico não me deixou tocá-lo – disse que ele não pertence a mim, mas à Paris.

Em Roma, o senhor inaugurou o Parco della Musica, um complexo de auditórios. A capital italiana não foi construída em um dia, mas parece que o complexo foi um sucesso imediato...

Piano – Sim, este processo foi bastante rápido. As pessoas adoraram. Elas gostam da piazza, do anfi-teatro, do ambiente. Elas não vão lá apenas para escutar música, mas para passear e se reunir. Tudo depende da maneira como fazemos as maquetes. Da mesma forma como o Centre Beaubourg, fizemos o auditório deste projeto na piazza. Ela é o foco. O mesmo acontece na Marlene-Dietriech-Platze, a pequena praça que projetamos em Berlim.

O senhor constrói obras marcantes em várias partes do mundo. O quão envolvido o senhor deve estar com cada cidade?

Piano – Você poderia escrever uma matéria sobre mim sem me entrevistar, mas quis falar comigo para que o conteúdo tivesse autenticidade. Como arquiteto, é possível fazer um projeto sem conhecer bem o local. Mas eu jamais construí alguma coisa sem antes ter passado bastante tempo na cidade. Lugares contam histórias. Basta calarmos nossas vozes e escutarmos cada tom. Devemos escutar com cuidado, não é algo muito evidente. É como entrar num quarto completamente escuro: precisamos de um minuto para enxergar alguma coisa. Isso é algo que adoro fazer. É a primeira fonte de inspiração.

O New York Times é localizado na Times Square desde 1905. Como trazer harmonia para redação do mais importante jornal do mundo em pleno caos da Times Square?

Piano – O grande desafio deste projeto é construir algo no meio de Manhattan. O projeto de uma redação de jornal ainda é mais instigante do que um escritório comum – ele expressara transparência e luz. A redação ocupa o segundo, terceiro e quarto andar. O resto do prédio, é ocupado por outras empresas. Arranha-céus são herméticos por natureza, quase misteriosos – normalmente são pretos ou muito escuros, porque têm de tapar o sol ou são revestidos por espelhos. Este prédio é feito de vidro transparente e cerâmica, o que permitirá muita entrada de luz. Acho lindo como os prédios em Nova York têm capacidade de mudar de acordo com o clima. Quando olhamos a cidade, do topo do Empire States, Manhattan parece uma floresta – muda constantemente de cor. Depois de uma chuva a cidade fica azulada. Na hora do pôr-do-sol, avermelhada. Esta idéia é metamórfica. Em Nova York é importante ter uma presença que não seja nem arrogante, nem agressiva. Frequentemente, os prédios altos são símbolos de poder – alguns chegam a ser símbolos fálicos. Este prédio não será assim – nos remetera `a sensibilidade.

Alguns arquitetos se preocupam mais com a forma e o material. Outros com as pessoas e o espaço. Como achar o equilíbrio?

Piano – Este equilíbrio é fundamental. É errado pensar arquitetura em termos de forma e material. Também é errado pensar apenas no comportamento das pessoas. A arquitetura é a profissão mais materialista que se pode ter em mente – ao mesmo tempo, é a mais idealista. Como arquitetos, temos de misturar a ética e a estética na medida certa.

O que o senhor acha do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer?

Piano – É um grande mestre. Tem feito grandes coisas. Ele pertence a uma geração diferente da minha, temos diferentes linguagens, mas ele é um grande arquiteto. Tenho um pouco de influência de cada arquiteto, incluindo o Niemeyer.

E qual o seu predileto?

Piano – Meu amado arquiteto é o italiano Filippo Brunelleschi (1377- 1446). Ele era completo: um artista, um arquiteto e um construtor. Desenhava suas próprias ferramentas de construção. Ele não só construiu a cúpula da catedral florentina Santa Maria del Fiore, como a maquinaria necessária para a obra. Um arquiteto não deve ser mais importante do que sua obra. Se isso acontecer, seu trabalho vira um instrumento de sua auto-celebração. Isso é estúpido.

A Itália transborda arte e arquitetura. O quanto isso influenciou o seu trabalho?

Piano – A Itália está na minha pele. Mais precisamente Genova, uma cidade histórica, perto do mar, sempre com paisagens de navios. Passei a juventude nesta cidade. Para uma criança, o porto é um lugar mágico que se carrega para a vida toda.

Quais as obras arquitetônicas que o senhor acredita que a sua geração deixará para o mundo?

Piano – Esta é uma boa questão, mas muito difícil de responder. Não me sinto velho o suficiente para começar a pensar nisso. Ainda estou inteiramente envolvido no dia-a-dia do trabalho. Esta é uma preocupação retórica que um arquiteto nunca deve ter. Não temos de nos preocupar com o que vamos deixar como herança. Devemos nos preocupar com o que fazemos para as pessoas. Amo meu trabalho. Moro muito perto do Centre Beaubourg e amo andar até lá e ver as pessoas curtindo o prédio e a piazza. Minha felicidade não é sobre o lema da eternidade, mas no contentamento das pessoas. Trata-se mais de vida do que de um testemunho para a posteridade.

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